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Eu e Chico Buarque no Teatro Arthur Azevedo!

 

Naqueles idos anos setenta a gente vivia vários momentos culturais: para uns era a época da ditadura militar, para outros foram os anos em que os militares livraram o Brasil de tornar-se uma república sindical comunista. E a terceira via era a contracultura, o movimento hippie, a libertação e liberação do corpo e da mente.

          São Luís, embora de forma minúscula, reproduzia essas vertentes culturais de forma tímida, pois aqui o Sarney estava implantando sua política desenvolvimentista ao mesmo tempo em que rompia os laços do Maranhão com o vitorinismo, E era isso que a imprensa maranhense noticiava, quando não reproduzia as notícias de Rio e São Paulo sobre a luta dos que se levantaram contra o governo militar e o confrontavam.

          Entre as medidas do governo militar, uma foi a criação do MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização e, embora houvesse maior número de analfabetos percentualmente do que hoje, não existia o tal analfabeto funcional na escala e progressão geométrica que temos hoje.

           Eu era funcionário público, lotado na Secretaria de Educação e, por solicitação da professora Filomena Mota, Coordenadora Estadual do MOBRAL, fui cedido para o Movimento, certamente devido a minha boa redação e também não era um datilógrafo desprezível.

          Deve ter sido entre 1972 e 1974, não lembro direito a data, mas o MOBRAL funcionava nessa época no Outeiro da Cruz, próximo ao Conjunto Radional, oficialmente conjunto Eney Santana.

          Eu tinha indicado dois amigos para o MOBRAL: os poetas Viriato Gaspar e Valdelino Cécio e, sendo funcionário de confiança da professora Filomena, seu Chefe de Gabinete, e tendo nos tornado, mais que chefe e funcionário, amigos, prontamente ela atendeu meu pedido  e contratou os dois poetas antroponautas.

          Saímos, eu, Viriato e Valdelino ao final do expediente daquele dia com um programa badalado na cidade: o show de Chico Buarque no Teatro Arthur Azevedo.

          Prato cheio para artistas e esquerdinhas, fãs de Chico Buarque, pois ele encarnava um dos que combatiam os militares, embora o combate dessa patota ocorresse muito mais nas mesas de bar, onde se cantava Apesar de Você, enquanto subia a fumaça dos cigarros e o vapor do álcool que se consumia.

          Lá no Teatro encontramos mais gente, mais amigos, e como já tinha tomado umas e outras e fumado um baseado resolvemos que a entrada devia ser grátis. A frente do Arthur Azevedo dá pra rua do Sol ou Nina Rodrigues, tanto faz, e aí fomos pra Rua lateral, não lembro o nome, onde ficava a entrada para a coxia do teatro. Ali daquele lado tinha uma janela bastante alta.

          A parada era a seguinte: eu ia subir no ombro de alguém e pular a janela e de lá eu ficaria acenando para os outros entrarem um por um, quando eu visse que não tinha nenhum vigia por ali. Deu certo e não deu.

          No que saltei da janela para o recinto do Teatro quase caí sobre os pés de dois policiais militares que estavam rondando pelo primeiro andar. Comecei a correr ao mesmo tempo que forçava as portas dos camarotes, até encontrar uma porta aberta e o camarote vazio, fui entrando e vendo que os soldados vinham na minha cola. Fechei a porta por dentro. E o pau rolou. O show estava no auge.

          Os soldados fizeram a volta e vieram pra frente do camarote e começaram a acenar pra eu ir ter com eles, entregar-me enfim. Resolvi apelar e comecei a fazer um discurso daqueles que os grupos de esquerda faziam: “esta burguesia podre, nós o povo temos o direito de entrar no teatro, sem pagar nada, a cultura e arte não podem ser privilégio de poucos”, falava aos berros.

O Chico parou de cantar, a plateia estava petrificada e os policiais resolveram me tirar dali à força e me carregaram, eu aos pinotes, lá na saída estava a Diretora do Teatro, escritora Arlete Nogueira, minha amiga, que, dirigindo-se aos policiais, ordenou ou exigiu, sei lá, que me pusessem no chão e me soltassem enfim, o que foi feito imediatamente.

Um policial federal veio ter com Arlete argumentando que aquilo era subversão da minha parte, a Arlete contrapôs dizendo-lhe que eu era um jovem poeta, gente boa, apenas mais exaltado por conta da bebida, ela se responsabilizava por mim.

O tal agente caçador de comunistas ficou bravo, falou pra Arlete que aquilo era um desrespeito à Lei e à Ordem, e ele ia se retirar com os policiais e não atenderia mais nenhum chamado para prestar segurança no Teatro e, para grande alívio, foi o que fez e saiu bufando de raiva com seus meganhas atrás.

Nem quis saber mais de show, fui só agradecer a Arlete, atravessar a rua e ir direto para o barzinho ao lado da Faculdade de Direito onde a patota, Viriato, Valdelino, Pixixita e outros mais,  me esperava para saudarem-me como herói e continuarmos naquela conversa eufórica e tomando todas.

Vieram me dizer que o Chico Buarque tinha aprovado meu tresloucado gesto, queria mesmo me conhecer e coisa e tal, mas eu esnobei o cara, nem dei bola, e continuamos nossa farra. Depois soube que após o show o Chico carregou meio mundo de gente, inclusive funcionários da limpeza, serviços gerais do Teatro lá para uma peixaria na Praia do Araçagi, fizera uma despesa imensa e deixou a conta espetada pra ser paga pela viúva: no caso, o Governo do Estado.

 Raimundo Fontenele é escritor com vasta produção literária no ramo da poesia. Foi um dos integrantes da Antroponáutica, movimento literário importantíssimo responsável por renovar a cena literária do Maranhão no inicio da década de 1970.

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