Dia 20,
às 16:33
Agonizo na tarde. O calor é como tudo
em excesso. Não choro. Nem me importo se o coração está seco e murcho, pois
tudo que vejo ao meu redor é o verde brotando.
Do verde das árvores até o azul do céu
só existem cinzas e nuvens. Há uma palavra que cega meus olhos e que me deixa a
boca torta e a linguagem morta, por isso jamais a pronuncio.
Lembrei, de repente, de quando era
criança e deitava na rede, olhando por uma janela à espera da chuva, de
pássaros voando, de uma bola chutada por um menino, das borboletas azuis e
amarelas borboleteando, como faço agora.
Lembrei, também, que, 68 anos depois,
nada mais virá. Só me restam a rede, a janela e o em vão esperar, pois
"quem espera não morre".
às
23:13
Só latidos de cães na noite escura e
morna. Sapos espreitando nas portas e mariposas morrendo ao derredor da luz.
Ela dorme?
Dia 21,
às 04:55
Quinta feira, meu dia de fera. Cuido
pra que as coisas aconteçam conforme planejei desde o início da semana.
Invariavelmente acontecem, porque me sinto forte e disposto ao trabalho e à
luta.
Uma ida ao banheiro para escutar os
galos e medicar meu filho Frederico com o joelho esquerdo ferido e
inflamado.
O estômago vazio, mas é bom que assim
permaneça, comida demais embota o cérebro.
Vou voltar a dormir embalado pela rede
e o canto de uma cotovia insone. Ela dorme.
às
22:50
Grande dia! Cuidando da segurança,
resolvi adicionar ferrolhos e fechaduras às portas e janelas da casa. Depois de
várias tentativas e um dedo sangrando, lembrei do Gugu Liberato e seu
infortúnio.
Por isso achei melhor recorrer a um
vizinho de nome Sérgio, um desses profissionais que fazem de tudo: hidráulica,
elétrica, pedreiro, obras em geral, tudo meia boca, é verdade, mas nos quebram
um grande galho e nos prestam seus indispensáveis serviços. Isso no meio da
tarde.
De manhã cedo ouvi uma sinfonia matinal.
Como me fez bem largar a cidade e vir parar no meio do mato, curar meus ouvidos
e a alma: de música ruim e solidão.
Nada dessa cantilena imprestável de
cantores sertanejos, nem essa pancadaria debochada de funks e raps.
Nada dessa baboseira melosa do romantismo
exarcebado, nem esse som meio gospel e meio fúnebre que o vento nos traz de
altares e igrejas.
Sei que toda regra tem exceção e que
talvez eu esteja mesmo ficando um velho rabugento, ou uma besta quadrada metida
a sabida, dessas que ninguém suporta.
Voltando, porém, à sinfonia matinal.
Alguns sapos, uma rolinha fogo-apagou e uma franga poedeira foram o bastante
para me tirarem do sério. No bom sentido, claro.
E fiquei parte da manhã ouvindo a
música boa que aqueles concertistas entoavam, apenas surpreendidos, de
vez em quando, por uma voz rouquenha, não se sabe de quem, que emprestava ao
conjunto o seu som de contrabaixo. Ela nos ouve?
Dia 22,
às 22:55
O dia foi pesado e sem esperança. E
para coroar com espinhos faltou água por volta das sete da noite. Bem que
falei: cuidado com os homens que tocam sete instrumentos: num destes o cabra
desafina.
Por volta das dez da manhã foi aquela
correria pra encontrar uma forma pra assar meio frango e um quilo de pernil,
corro pra lá e pra cá, ou melhor, como dizia a nossa presidenta a respeito do
vento, "de cá pra cá, de lá pra lá"...
às
13:20
Depois dos assados comidos, deu aquela
soneira gostosa, os olhos pesados, pálpebras fechando e a rede ali,
convidativa. Acordei no meio da tarde.
às
16:15
Céu plúmbeo. Fímbria do vestido.
Gongorismo puro. Faz sentido no Maranhão de Sarney e Dino, dois cafajestes nos
chás da Academia.
Só dois? E os que votaram no imortal de
araque? Votaram pela obra imensa do governadorzinho (também com uma pança
daquelas)!
A obra estava à vista, só tiveram o
trabalho de levantar a tampa do vaso sanitário do Palácio dos Leões.
Outro assunto palpitante do dia, esse
em nível internacional, relatado em primeira mão para nós brasileiros pelo
Jornalista Allan dos Santos, é sobre um golpe de estado articulado pelo
salafrário e ladrão confesso, popularmente conhecido nas hostes de direita como
X9, Nove Dedos, Amigo do Amigo, o Barba, etc., com o apoio de todos os líderes
e partidos de esquerda.
Claro que é notícia palpitante.
Movimenta a roda da fortuna de militantes, blogs, cupinchas, congressistas,
ministros e capachos.
Sabem o que penso disso? Que não merece
minha atenção mais do que esses poucos minutos em que escrevo.
Quem conhece sabe. Todas as vezes que
golpistas e comunistas tentaram usurpar o poder, democraticamente conquistado,
os militares foram lá e deram um sossega leão na turma. Lembro as tentativas
mais famosas: intentona comunista nos anos trinta, cujo herói e símbolo máximo
deles é o tal Cavaleiro da Esperança que entregou a própria companheira para os
nazistas de Hitler. Já ouviram falar de Luís Carlos Prestes? É a esse que me
refiro.
A outra tentativa foram as peripécias
dos malandros em 64 e 68. Vejam o que aconteceu. Ainda hoje cheios de
hipocrisia, maucaratismo e gatunagem choram lágrimas de crocodilo.
Que foram torturados, que queriam a
democracia, que Brilhante Ustra os deixou com a pele lustrada, mas esquecem que
estavam em guerra e "guerra é guerra, dizia o torturador", título de
um livro que relata episódios daquela época.
Alguns de 64 e 68 estão de novo aí com
a mesma cantilena, arrebanhando seus soldados terroristas, essa gente do MST e
afins que destroem moradias dos pobres e invadem propriedades privadas e
prédios públicos. Zé Dirceu, Dilma e gente da mesma espécie estão à frente
desse movimento atual.
Coitados! Se forem mais uma vez com
essa história de tomar o poder vão virar nome de um filme do Glauber Rocha:
Cabeças Cortadas. Os nossos militares nunca brincaram em serviço quando se
trata de defenderem a pátria, sua honra e a nossa liberdade.
Se cuidem, pilantras!
Dia 25,
à 01:03
Cedo começou o meu dia nessa
segunda-feira. Uma pontada de dor na cabeça me arrancou de um sonho cheio de
bizarrices. Esqueci-as todas, menos uma.
Eu estava com uma pá de malucos, só
caras topados, num lugar ermo, fora da cidade. Difícil descrever tal local e
como ele havia se formado. Estávamos sobre uma espécie de penhasco, mas
verdejante.
A natureza ali fazia nascer brotos de
árvores em profusão e, lá embaixo, se podia ver um quadrilátero de barro vermelho,
que havia sido cavado com cerca de doze metros de altura ou de profundidade,
pois tudo depende da perspectiva e do local que se olha.
Havia ali uma espécie de jirau feito de
tábuas, cada uma com cerca de doze centímetros de largura. De repente um dos
rapazes atirou-se do penhasco e foi cair de pé, faceiro e ileso, sobre as
tábuas, sem um arranhão, um machucado, nadinha de nada.
Foi aí que acordei. (continua)
Autor: Raimundo Fontenele
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