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Cury Heluy o compositor maranhense que Roberto Carlos se arrependeu de não ter gravado

 


Nos 50 anos de música do rei Roberto Carlos, comemorados este ano, há pelo menos um capítulo protagonizado por um maranhense. José de Ribamar Cury Heluy, ou simplesmente Cury, era um jovem bancário que morava em Ipanema, no Rio, e vivia enturmado com artistas em início de carreira. Havia deixado São Luís no começo da década de 1960, aos 16 anos, e pouco tempo depois conseguira aprovação em concurso público do Banco Central. O endereço de Cury, na rua Nascimento Silva, era freqüentado por Raul Seixas, Cassiano, Odair José, Evaldo Braga, Jerry Adriani, Serguei, Márcio Greyck e Gerson King Combo, entre outros. Na convivência com o mundo da música, virou produtor e compositor. E foi por intermédio de Gerson Combo - um dos precursores do soul e da black music carioca - que numa manhã de março de 1973 Cury entrou no apartamento de Roberto Carlos, então casado com Cleonice Rossi, a Nice. Dali sairia, seis anos depois, a música Aparências, de Cury e Ed Wilson, composta especialmente para a voz de Roberto Carlos.

Cury estava em fase de produção de um compacto simples (a bolachinha em vinil que freqüentou toca-discos até o surgimento do CD) de Gerson Combo, irmão de Getúlio Côrtes, um dos compositores mais presentes nos discos de Roberto Carlos (autor do clássico Negro gato). O compacto viria com uma música de Cury, Me dá mais um cigarro, e uma inédita de Roberto Carlos, à escolha de Combo. Coube ao produtor a missão de ir ao encontro de Roberto, em São Paulo, para escolher a canção que melhor se adequasse ao perfil do disco.

Em 1973, Roberto Carlos já cultivava a nobreza no panteão da música popular brasileira. Fazia shows para grandes públicos, estrelava filmes, cantava em programas de TV e encantava fãs país afora. Ao chegar ao apartamento nas proximidades da rua Augusta, Cury era apenas um garoto de 26 anos diante da majestade. E precisou esconder a emoção quando, com muita naturalidade, Roberto pegou um violão no canto da sala e ali mesmo começou a tocar e cantar algumas composições inéditas. Cury escolheu Quando a cidade acorda, de Roberto e Erasmo, para o compacto de Gerson Combo. Do apartamento simples, de onde luziam gestos educados e traços finos de Nice, Roberto levou Cury para um passeio de carro pelas ruas de São Paulo.
Do que viu e ouviu naquela viagem, Cury, comedido, pouco fala. Mas já havia o comentário no meio artístico de que, àquela altura, não ia muito bem o primeiro casamento de Roberto Carlos. É provável que Cury tenha visto muito além das cortinas e parapeitos, a ponto do mosaico de cenas daquele dia inspirar-lhe versos que marcariam por décadas o cancioneiro romântico: “Quantas noites nós deitamos lado a lado/ Tão somente pra dormir/ Quantas frases foram ditas com palavras/ Desgastadas pelo tempo/ Por não ter o que dizer”.

A união com Nice ocorreu em 1968, em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Um ano mais velha que Roberto, Nice era desquitada (numa época em que não havia divórcio) e mãe de uma filha, Ana Paula, de 3 anos. Com Roberto, Nice teve mais dois filhos: Roberto Carlos II, o Segundinho, e Luciana. O casamento em frangalhos durou até 1979. E foi em 1979, com a separação já oficializada, que Cury enviou Aparências para Roberto Carlos gravar. A fita seguiu do Rio com um bilhete emocionado de Othon Russo, então diretor de relações públicas da poderosa CBS, recomendando a gravação a Roberto. O rei não deu respostas e nunca gravou a música.

Roberto Carlos não dava pistas da crise no relacionamento com Nice. Mas algumas canções do período falavam mais que as atitudes em público. Os primeiros sinais vieram em Sua estupidez, um ano depois do início da relação: “Meu bem/ Sua incompreensão já é demais/ Nunca vi alguém tão incapaz/ De compreender/ Que o meu amor é bem maior que tudo/ Que existe”. Em Fera ferida, o rompimento é anunciado em voz alta: “Acabei com tudo/ Escapei com vida/ Tive as roupas e os sonhos/ Rasgados na minha saída...”. Foi naquele vácuo, quando viu que o caso realmente não tinha solução, que Cury sacou da algibeira Aparências e a enviou para um Roberto ainda fragilizado.

Ter uma canção gravada por Roberto Carlos era o sonho de todo compositor. Cury também sonhava. Não houve recusa, mas ficou a impressão no ar de que, na primeira versão de Aparências, sem um final feliz, o refrão soava como um réquiem à desilusão do rei: “Aparências, nada mais/ Sustentaram nossas vidas/ Que de tanto mal vividas/ Já não têm uma esperança de poder viver/ E sempre alimentados de mentiras/ Verdade apenas uma se aprendeu/ É que não há nenhuma chance de juntar/ Você, o amor e eu”. Roberto não deu ouvidos.

Por dois anos Cury ainda tentou outros cantores para a canção-tributo à crise amorosa de Roberto Carlos, como Ronnie Von e Maria Bethânia. Somente em 1981 Márcio Greyck gravaria Aparências. Não sem antes precisar fazer contorcionismo num problema surgido dentro do estúdio, no momento de pôr a voz: emocionado com o arranjo do produtor, o maestro Eduardo Lajes (atual arranjador e regente de Roberto Carlos), Marcio só então percebeu a dureza dos versos finais, e por mais que tentasse não conseguiria dar uma interpretação convincente. Por telefone, pediu a Cury que “aliviasse” um pouco no desfecho da história, “quem sabe uma ponta de esperança” no refrão. O compositor cedeu à sugestão e pôs um pouco de açúcar na sopa musicada por Ed Wilson (um dos ícones da Jovem Guarda), e o trecho da música então ficou assim: “Aparências, nada mais/ Sustentaram nossas vidas/ Que apesar de mal vividas/ Têm ainda uma esperança de poder viver/ Quem sabe rebuscando essas mentiras/ E vendo onde a verdade se escondeu/ Se encontre ainda alguma chance de juntar/ Você, o amor e eu”.

Deu certo. Aparências estourou na voz de Márcio Greyck. Virou hit nas principais rádios do País e foi considerada a melhor música do ano pelo sistema Globo de rádio e TV. Márcio Greyck bateu ponto por muitos sábados interpretando Aparências, para delírio de mocinhas apaixonadas na plateia do programa do Chacrinha. No Fantástico, também da TV Globo, o clipe de Aparências foi apresentado como “a música que Roberto Carlos não gravou”.

Na época, Othon Russo contou a alguns amigos que, depois de assistir ao videoclipe de Márcio Greyck no Fantástico, Roberto Carlos perguntou a razão de a gravadora não lhe ter enviado a música. Claro que Russo informou ao rei todo o percurso de Aparências, da fita enviada a São Paulo à gravação definitiva do compacto que ganharia o Disco de Ouro.

Aparências, depois gravada em espanhol e tocada em países como Espanha e Portugal, abriu caminhos para uma breve carreira internacional de Márcio Greyck. As regravações vieram depois nas vozes de Fafá de Belém, Trio Irakitan, Adilson Ramos, Wilson e Soraya (sertaneja), Belchior (em reggae), Altemar Dutra, Verônica Castro (atriz mexicana), o grupo maranhense Vamu de Samba, e pela orquestra de Ray Conniff, nos Estados Unidos.

Curioso é que Roberto Carlos não incluiu até hoje Aparências em seu repertório, mas bebeu quase na mesma fonte ao gravar Vivendo por viver, de Márcio Greyck. Mesmo à distância do mundo do sucesso, Cury ainda sonha. “Claro que ficaria muito feliz com uma gravação de Roberto Carlos”. São mais de 100 músicas de Cury (algumas em parceria com outros compositores) já gravadas por Renato e Seus Blue Caps, Jerry Adriani, Sidney Magal, Agnaldo Rayol, Agnaldo Timóteo, Antônio Marcos, Wanderléa, Jane Duboc, Luiz Ayrão, Adriana, Kátia, Peninha e Alcione. “Todas as canções românticas foram idealizadas para a voz de Roberto Carlos. Eu esperava sair o disco anual do Roberto, e só então mostrava as músicas para outros intérpretes”, conta o compositor. Roberto, segundo Cury, é o artesão da música que melhor cai no gosto do brasileiro. “Não tenho a menor ideia de como seria hoje a música no Brasil se não tivesse existido Roberto Carlos”, frisa.

Roberto Carlos não gravou Aparências, como também não gravou música de outro maranhense composta especialmente para ele. No livro Roberto Carlos em detalhes, lançado em 2006 e proibido de circular por ordem judicial a pedido do rei por “invasão de privacidade”, o autor Paulo Cesar de Araújo relata que, no final da década de 1960, Cláudio Fontana (autor, dentre outras canções, de Menina de tranças e São Luís Ilha do Amor) compôs Estou amando uma menina de cor para a voz de Roberto. A letra falava de preconceito racial, da dificuldade de um rapaz branco se relacionar com uma garota negra. O tema, claro, era tabu. Fontana mostrou a música a Roberto. O rei gostou, mas não topou. “Claudinho, a música é boa, mas fala de um tema muito delicado e que eu não gostaria de abordar neste momento”, teria dito Roberto ao maranhense. Segundo Araújo, nenhum outro cantor da época quis gravar a canção. O próprio Cláudio Fontana a incluiu em seu disco lançado em 1969.

Marisa Monte e esse tal de Cury

Em verdade, José de Ribamar Cury Heluy nasceu em Teresina, durante uma visita que a mãe dele, então residente em São Luís e casada com um maranhense, fez a parentes piauienses. Neto de libaneses, foi criado nas ruas do Centro de São Luís e estudou na Escola Modelo e Marista. Continuou os estudos no Rio e entrou para a faculdade de Administração na UFRJ. Ingressou no Banco Central em 1967 e trocou o curso pela música. Fez carreira bancária como inspetor de câmbio das companhias aéreas estrangeiras até se aposentar, em 1996.

Foi o radialista Luiz de Carvalho, da Rádio Tupi, que entronizou Cury ao mundo da música. Carvalho e Cury eram vizinhos na rua Nascimento Silva. Nas visitas à rádio, Cury conheceu o assistente de som Cidinho Cambalhota. Os primeiros artistas que passaram a freqüentar as noitadas musicais no apartamento de Cury foram levados por Cidinho. Cassiano ainda fazia parte dos Diagonais. Raul Seixas era o líder do Rauzito e os Panteras. A dupla Leno e Lilian já fazia sucesso com Pobre menina e Devolva-me. E Jerry Adriani conseguia a gravadora para o primeiro disco de Raul Seixas.

Naquela interminável atmosfera de sarau, Cury ficou brincando de compor até gravar a primeira música. Em parceria com Carleba, baterista dos Panteras (o grupo do Raulzito), fez a letra para Viu, gravada por Adriana em 1968 em disco lançado pelo selo Equipe, de Osvaldo Cadaxo. A razão social da gravadora era Equipe Utilidades Domésticas, uma empresa criada a princípio para vender utensílios de cozinha, mas que logo abandonou essa atividade e acabou se tornando o primeiro selo independente de grande sucesso no Brasil. Viu caiu nas graças das rádios, o que se refletiu na grande quantidade de discos vendidos. Um feito para a época. Antes de Viu, Adriana fez sucesso com Anjo azul, música do também maranhense Nonato Buzar que deu título ao disco da cantora. No ano seguinte, Márcio Greyck gravou Que seria de mim sem você, outra parceria de Cury e Carleba.

Cury foi se dedicando ao violão e passou a compor sozinho. Em 1970 ele cria O que me importa, a pedido de Wanderléa, que “precisava” de uma música romântica forte para carro-chefe de um compacto simples da CBS. Ela ouviu e ficou encantada, mas o diretor da gravadora preferiu uma música de Don e Ravel. O compacto de Wanderléa não fez tanto sucesso, e logo depois ela trocou de gravadora. Dois anos depois, O que me importa entra no compacto duplo de Adriana, disco produzido por Cury para a gravadora Odeon (hoje EMI).

Uma semana antes de gravar O que me importa com Adriana, Cury recebeu um telefonema de um cara se identificando como Tim Maia. Disse que estava telefonando da casa de Adriana e que naquele momento queria conhecer o autor da música. Cury achou que era trote e desligou. Adriana ligou em seguida e confirmou a história. Na casa de Adriana, Tim Maia disse que também queria gravar a música, mas iria esperar. – Não quero prejudicar a Adriana. Primeiro ela grava, e você vai ganhar o prêmio de melhor música. E aí então eu gravarei – teria dito Tim Maia a Cury. A música, gravada com o acompanhamento de uma orquestra e o coro dos Diagonais, estourou em todas as rádios e, confirmando a profecia de Tim Maia, no final de 1972 ganhou o prêmio de melhor música do sistema Globo de rádio e TV.

Em fevereiro de 1973, Tim Maia finalmente gravou O que me importa em disco lançado pela Polydor. Embora no estúdio houvesse um produtor indicado pela gravadora, o cantor solicitou a Cury que o produzisse e orientasse na gravação dessa faixa, com relação a arranjo e interpretação. Cury pediu-lhe que fizesse um arranjo simples, e que não soltasse o vozeirão, como fazia normalmente.

Tim havia sido abandonado por uma namorada e viu sua história de amor depurada na letra da música. “O que me importa/ Essa tristeza em seu olhar/ Se o meu olhar/ Tem mais tristezas pra chorar/ Que o seu”. A versão de Tim Maia é primorosa. Cury e Tim Maia ficaram amigos. O compositor ajudou a pavimentar o caminho que deu origem à gravadora Vitória Régia e à editora Seroma (iniciais de Sebastião Rodrigues de Maia). Incentivou Tim Maia a comprar o primeiro apartamento, na rua Figueiredo de Magalhães, em Copacabana. A amizade fraquejou e pouco tempo depois Tim Maia entrou para a seita Universo em Desencanto (chegou a gravar dois LPs sobre o tema).

O que me importa ganhou versões também do Ira! e Renato Braz (esta com arranjo e violão de Dori Caymmi). Mas em 2000 veio a consagração. Marisa Monte incluiu a
canção no CD Memórias, crônicas e declarações de amor, que vendeu quase dois milhões de cópias. A regravação rendeu um encontro entre Marisa Monte e Cury no Parque Lage (foto), no Rio, promovido pelo jornal O Globo. Os dois trocaram figurinhas, descobriram afinidades e revisitaram a história da música brasileira. “Foi um encontro maravilhoso, de descoberta mútua”, conta Cury. Havia uma curiosidade no ar. Marisa Monte queria conhecer o autor daquela música tão densa gravada anteriormente por Tim Maia.

Em 2007, O que me importa foi gravado na Itália pela diva Ornella Vanoni, aos 73 anos, com participação especial de Mario Biondi, cantor italiano de pop/jazz, que interpreta uma parte da música em português.

A composição Quem é você, gravada duas vezes por Alcione (em 1986, pela BMG, e em 1996, pela Universal) também teve momentos de glória para Cury. A versão em espanhol Quien es usted, na voz de Sandra Mihanovich, ficou por quase um ano no topo das paradas de sucesso na Argentina.

Mas o direito autoral não conseguiu irrigar por completo os planos de Cury. Poucos compositores no Brasil conseguem manter uma receita regular fruto do direito pela criação da música. O que sobra, no redemoinho das arrecadações, é a fração da fração de uma conta que inclui o intérprete, os músicos (direitos conexos), a editora, a gravadora, o ECAD, o parceiro de autoria (quando há mais de um compositor na música) e os impostos. Michael Sullivan, por exemplo, compôs música para meio mundo de cantores e bandas nos últimos 25 anos, de Tim Maia a Xuxa, da Banda Calypso a Carlinhos Brown, de Nelson Gonçalves a Ivete Sangalo. Criação de música em linha de montagem. Não por acaso, o compositor e produtor Sullivan (na maioria das vezes ao lado do parceiro Paulo Massadas) acumula a incrível marca de 50 discos de diamante, 270 de platina e 550 de ouro. Uma façanha, sem dúvida.

Parte de uma indenização que recebeu do Banco Central, em 1999, Cury investiu na montagem de um estúdio de gravação, na casa onde morava, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio. Os atrativos: a mesa inglesa Amek Hendrix, de 40 canais, que adquiriu da Som Livre, e a bateria Premier Signia Plus, com quatro tons e um surdo, criação especial do baterista do grupo Iron Maiden. Pelo estúdio passaram alguns nomes importantes da música, como Claudio Zoli, Frejat, Marcos Valle, Erasmo Carlos, Zé Ramalho, Fagner, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Alcione.

Mas em 2003 Cury decidiu voltar para São Luís. Manteve o estúdio em atividade ainda por dois anos enquanto tentava viabilizar projeto de festivais de música e integração de artistas maranhenses com nomes da região centro-sul do País. Obstinado, Cury ainda sonha com outro destino para a música do Maranhão. Com mil ideias na cabeça e alguns projetos debaixo do braço (tem aprovado um projeto pelo Ministério da Cultura), qual um Quixote do trópico timbira, Cury corre atrás de mecenas para materializar os seus planos.

Aparências
(Cury e Ed Wilson)

Quantos anos já vividos, revividos,
Simplesmente por viver
Quantos erros cometidos tantas vezes,
Repetidos por nós dois
Quantas lágrimas sentidas e choradas
Quase sempre às escondidas,
Pra nenhum dos dois saber
Quantas dúvidas deixadas no momento
Pra se resolver depois

Quantas vezes nós fingimos alegria
Sem o coração sorrir
Quantas noites nós deitamos lado a lado
Tão somente pra dormir
Quantas frases foram ditas com palavras
Desgastadas pelo tempo
Por não ter o que dizer
Quantas vezes nós dissemos “eu te amo”
Pra tentar sobreviver

Aparências, nada mais,
Sustentaram nossas vidas
Que apesar de mal vividas têm ainda
Uma esperança de poder viver
Quem sabe rebuscando essas mentiras
E vendo onde a verdade se escondeu
Se encontre ainda alguma chance de juntar
Você, o amor e eu.


O rei por trás das aparências

Em Roberto Carlos, as aparências enganam. Nem tudo é o que parece ser. Nem mesmo quando evoca canções ingênuas ele se entrega. Vai de um ponto a outro do verso buscando uma saída para não se expor por completo. São 50 anos de música, quase cinco décadas de fama. Ou seja, por mais que ele evite, a fama o persegue e o incomoda. Não abre mão da privacidade. Por isso mesmo, as aparências são apenas um trunfo. Não por acaso, ele briga na justiça para que fãs e curiosos não o vejam de corpo inteiro na obra Roberto Carlos em detalhes, de Paulo Cesar de Araújo. No livro, o rei seminu é apenas uma caricatura. Os detalhes estão nas entrelinhas.

É romântico, amante à moda antiga, meio kitsch, obsessivo-compulsivo (o cara das mil e uma manias) e devoto de Nossa Senhora. Já foi lobo mau, ídolo de gordinhas e mulheres de 40 e deu mais ternura a uma boleia de caminhoneiros insones. Manteve acesa a chama do encantamento de fãs nos lugares mais distantes. Onde há um aparelho de TV, tem sempre alguém ligado no programa do Roberto de final de ano. É um compromisso quase religioso do brasileiro.

Roberto Carlos canta com o coração. É sincero na voz, inconfundível na interpretação. A música dele embala gerações. Sai das paradas, mas não sai de moda. Ainda assim, confunde deliberadamente os mexericos quando vê a sua intimidade acuada. Embora em momentos diferentes, para a mesma Nice que Roberto compôs Fera ferida, dedicou Como é grande o meu amor por você, um escancarado hino à paixão. As canções, em alguns momentos, servem para despistar. Muitas coisas ele encobriu com zelo. Só não evitou que extravasasse o amor sem limites por Maria Rita. Mas quem haveria de calar um amor sem limites?

No baú das trilhas sonoras, não há quem não tenha guardado lá no fundo uma música do rei. Improvável não associar a canção a uma história de amor, ao pai, a uma saudade, a um amigo, à fé, à natureza, a uma relação mais íntima e intensa. Sim, Roberto também é ousado. Nas poucas vezes que abordou o sexo no repertório, desceu ao tema ora dissimulado (Cavalgada) ora de peito aberto (Côncavo e convexo).

Roberto Carlos é a antítese do lema “ame e dê vexame”. Ame e, sob os holofotes, faça de conta – ele é pragmático. Mas o rei é falível, como qualquer um de seus súditos. Vai até aonde pode. “O show já terminou/ Vamos voltar à realidade/ Não precisamos mais/ Usar aquela maquiagem/ Que escondeu de nós/ Uma verdade que insistimos em não ver...”. Com estes versos e vestido de palhaço, certa vez cantou chorando em show cuja data coincidia com o fim do romance com Nice.

Ele pode fazer de conta. Tem lastro para exceder em manias e esquisitices e até para evitar que o mundo leia a sua vida. Mas não tem jeito. Roberto Carlos está além das centenas de canções que já gravou ou cedeu para que outros gravassem, de roqueiros a caipiras. Ele está na TV, nos jornais e revistas e na internet. No rádio também. Em São Luís, Florisvaldo Sousa, com sua voz inconfundível, depois de alguns hiatos voltou a apresentar o programa Clube do Rei, agora na rádio Cidade FM. Vale a pena o bilhete de embarque pelas jovens tardes de domingo.

Fonte: http://oredemoinho.blogspot.com/2009/07/30-anos-de-aparencias-musica-que.html

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